Em 1909 o casal De Beauvoir celebrou nostalgicamente os 365 dias vividos pela "petite" Hélène. E dalí em diante, com uma precisão mecânica, a cada quatro estações brindava-se à vida da francesinha. Tão sistematicamente que nem a morte conseguiu travar as engrenagens desse ciclo. Hoje ela faria 100 anos. Em 2058 alguns se lembrarão que ela completaria 150 anos. Isso, é claro, se estivesse viva. O tempo assim, dividido em fatias, eterniza tudo que por ele passa. Comemoram-se conquistas, descobertas e vitórias. Celebram-se também as independências, os enganos e as derrotas. Aniversariam gente, bichos e coisas. Reverencia-se o passado.
2-
Em 1984:
Os convidados chegavam à festa sabendo que não ficariam ali por mais de três horas. Os que não conseguiam falar foram reunidos em um canto à sombra de uma árvore. Os que já podiam correr, corriam. Pareciam não ser capaz de conter a euforia que aquela tarde de Sábado despertava. Adultos conversavam amenidades enquanto olhavam seus filhos e os dos outros. Contrastavam com os palhaços de papel, com as garrafas de refrigerante e com todo aquele cenário infantil. Alguém que passou por ali extraiu algumas frases de seus devidos contextos:
"O meu já anda a passos firmes!"
"Deixa ele brincar com o seu brinquedo um pouco, Felipe."
"Dá logo o presente pro menino e vamos embora."
"Mãe, eu também quero um disco dos Smurfs"
Por mais que grande parte dos convidados não tinha desenvolvido consciência para saber o que acontecia, todos estavam ali para comemorar o meu primeiro aniversário. Eu não. Em segredo, eu comemorava os 76 anos que eu ainda tinha a viver.
3-
Fevereiro de 2008 é uma estaca no tempo. Ela marca o primeiro ano de uma história que esqueceu de acontecer. E nem por isso se deixaram de lado as comemorações.
- Estou ligando porque faz um ano que nada aconteceu, lembra?
- Sim, lembro. Estávamos os dois aí e ...
- E aquela música não tocou. Era a nossa música.
- A lembrança mais doce que tenho daqueles dias foi o momento em que nos propusemos a não viver aquilo tudo.
- É, foi lindo. Nunca esquecerei o teu olhar enquanto fechava as malas.
- E eu ainda sinto o gosto do beijo que a gente não deu quando parti.
- Bom, esse ano não me organizei como deveria. No próximo prometo não te mandar umas flores, ou um cartão.
- Ótimo. Até o ano que vem, então.
- Até. E não esquece que eu não te amo.
- (silêncio) ... Eu também não.
5 comentários:
Gosto dos paralelos. Gosto da poética. Gosto das sinapses.
bonito. triste. doído.
talvez conformista.
:~
parece que o 'não' tentava loucamente sair dali.
grace.
O tempo não sara, só cicatriza.
O tempo não te faz esquecer, pelo contrário, te faz lembrar das alegrias, dos sentimentos, da cicatriz...e das comemorações.
É impressionante como numa única data pode-se reunir as mais sinceras demonstrações de afeto e também as mais variadas demonstrações de falsidade.
As comemorações servem para encobrir o silêncio.
Mas aquela resposta depois do (silêncio)...nem o tempo vai conseguir encobrir.
bah, adorei.
os não-acontecimentos definem nossa vida.
felizes daqueles que esqueceram de sofrer.
seu post só corrobora o meu
O Destro
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